sábado, agosto 08, 2009

Marcelo Tas afirma: "as mídias não estão mais nas mãos do comercial de 30 segundos ou da primeira página da revista"


Fotos: Cia de Foto


Por Alê Barreto (alebarreto@produtorindependente.com)


A maior parte dos conteúdos que temos acesso no dia-a-dia, apresentam assuntos muito resumidos e com pouco estímulo à reflexão. Quem gosta de política marxista, acha que o mundo em toda sua complexidade resume-se em luta de classes, quando poderia pensar que esta idéia pode contribuir para entendermos o que pode vir a ser o mundo. Quem é adepto de uma determinada religião, tem a certeza de que o mundo é do jeito professado pelos líderes religiosos que segue. Quem fala sobre o desemprego, muitas vezes acha que ele é apenas uma seleção natural e que os bons nunca ficarão sem emprego. Na área cultural, quem não consegue organizar um show, gravar sua música, vender seus livros, é taxado por quem consegue de incompetentes, amadores, etc.

Pensando nesta preocupação constante que tenho de escrever ou publicar conteúdos acessíveis, para estimular que as pessoas pensem sobre o estado das coisas e comecem a perceber que são capazes de tocar os seus projetos, suas idéias, encontrei uma ótima entrevista com o Marcelo Tas, publicada na Revista Continuum Itaú Cultural, nº 21, onde ele traz informações muito importantes para quem está se desenvolvendo como produtor cultural independente.


O homem seguido por 118.177 pessoas



Por Marco Aurélio Fiochi | Fotos Cia de Foto


A intimidade de Marcelo Tas com os computadores vem de longe: começou em um aperfeiçoamento em cinema e TV na Universidade de Nova York (NYU), na década de 1980, tempos em que a informática não era assunto corriqueiro como é hoje e o PC nem sequer tinha sido inventado. Desde esse primeiro contato, que se deu por acaso, devido à curiosidade que herdara de sua formação em engenharia, Tas vem construindo com grande atenção sua presença virtual, que hoje é tão importante quanto a atuação como jornalista e comunicador de TV. Um ranking realizado em 2008, por exemplo, posicionou-o entre os três perfis mais seguidos do Twitter brasileiro, e sua participação na rede (com o blog marcelotas.uol.com.br) contribui para torná-lo um dos formadores de opinião mais importantes da atualidade no país.

Âncora do programa semanal CQC, da Rede Bandeirantes, ele não credita sua participação bem-sucedida na internet a nenhuma fórmula mágica. "Quando as pessoas me falam 'você pauta, você traz notícias', digo que não. Só ouço com atenção o que me chega e separo o que acho relevante." Ao analisar o impacto da conectividade na vida das pessoas, Tas define o momento como uma fase de transição que a seu ver nunca terminará. "Estamos em um novo estado permanente, um mundo, literalmente, mais etéreo." O apresentador reforça ainda a importância da conexão através do olhar, do contato com o outro e com o próprio corpo como antídoto à sedução provocada pela conexão ultrarrápida da web.

Em tempo: o título desta entrevista, cujas perguntas foram criadas por leitores da Continuum, é uma brincadeira com o número de seguidores do perfil @marcelotas no Twitter. Mas é bom ressaltar que, graças à popularidade de seu criador, esse enorme contingente de pessoas poderá já ter se alterado quando você estiver lendo esta edição.


Ao que você atribui o alto grau de participação dos brasileiros em redes sociais, se comparado ao restante do mundo? Seria carência social ou procura de identificação em nichos? (Arieta Arruda, Curitiba/PR)

Isso se deve a duas coisas: o Brasil tem uma distância intransponível, infinita do resto do mundo. É um país que se coloca espiritualmente longe de todos, de tudo, apartado do primeiro mundo. Tem complexo de cachorro magro e, ao mesmo tempo, a esquizofrenia de não se inserir na América do Sul. Com isso, despreza uma riqueza gigantesca que está ao seu lado, na Colômbia, na Argentina, no Chile, no Paraguai... A América do Sul tem uma história belíssima, muito próxima dos brasileiros, e nós estamos muito mais voltados para a Europa, os Estados Unidos, Miami, que é quase uma cidade brasileira. O outro motivo se resume numa palavra: gambiarra. Não faço um elogio ao precário e ao malfeito. Falo de quem consegue superar, com criatividade, nosso estado real. Não podemos perder de vista o fato de vivermos num país desigual, cheio de injustiças e dificuldades. Mas o brasileiro tem um afeto pela tecnologia; e a gambiarra é o drible tecnológico que dá em suas deficiências. É o puxadinho, a antena de TV com Bom Bril nas extremidades, o gato, o benjamim apinhado de tomadas, o remendo no fio do ferro de passar roupa ou do computador. O brasileiro abre o computador com a mesma intimidade que abre um Sonho de Valsa. A gente não tem pudor com a tecnologia. Quando se vê um europeu mexendo num equipamento, ele tem respeito, tem medo, não aperta qualquer botão. O comportamento do brasileiro facilita a profusão de pessoas que usam as redes sociais no país. É uma intimidade com o meio, com a tecnologia e, obviamente, um exercício natural da nossa sociabilidade. Adoramos conversar, contar as coisas da vida. Isso se reflete na internet.


Como você vê o impacto da conectividade na vida das pessoas? Até que ponto a superexposição causada pelos blogs, pelo Twitter e até mesmo pela TV é positiva? (Luciana Morgado, São Paulo/SP)

A superexposição é positiva até o ponto em que ajuda as pessoas a conhecerem-se a si mesmas. Somos nós que a geramos. Parece que isso é causado por algum vírus, algo que está dentro do computador e que puxa as pessoas. Quem não gosta disso não se mostra na internet, assim como não é visto nas revistas de fofoca, ou no Orkut, ou no Big Brother Brasil, ou numa festa. O mundo virtual é um reflexo do mundo real. Quem é exibido no mundo real terá essa característica potencializada no mundo virtual. Depende do discernimento de cada um usar as ferramentas virtuais e saber até onde quer se expor. É um mundo muito sedutor, mas que também pode ser nocivo.


Você acredita que os milhões de brasileiros que não possuem acesso à internet são representados hoje na mídia? Tenho a impressão de que redações jornalísticas, produtoras de vídeo e agências de comunicação se concentram mais no que é visto na web do que na vida real daqueles que não têm acesso à internet e que também têm interesses, necessitam de informações. (Simone Castro, Itajaí/SC)

Concordo em parte com esse pensamento, mas temos que enxergar a mudança gigantesca que vivemos. Eu era adolescente nos anos 1970 e 1980, quando a publicidade vendia uma marca de cigarros chamada Hollywood com o seguinte slogan: "O sucesso". As pessoas que apareciam naqueles comerciais eram atléticas, superbonitas. Aquilo significava sucesso, era uma mensagem muito direta. Hoje, isso não tem o menor espaço. As mídias não estão mais somente nas mãos do comercial de 30 segundos ou da primeira página da revista que estampava um maço de cigarros e alguém surfando numa onda gigantesca, com o slogan "O sucesso". Atualmente, existe uma representatividade muito mais ampla por meio da internet. Esse é um caminho sem volta. O cidadão participa mais, mesmo se levarmos em conta o baixo índice de acesso à rede - o que é relativo, porque no Brasil já se tem algo em torno de 60 milhões de internautas. Até o caboclo que vive a três horas de barco de Santarém, na Amazônia, é afetado pela rede. A notícia chega até ele numa velocidade como nunca chegou. Não porque ele acessa um site, mas porque o barco que vai até ele para levar gelo e sal leva também a informação que acabou de sair na internet.


Quando e como foi seu primeiro contato com a internet? (James H. Prado, São Paulo/SP)

Meu primeiro contato foi um susto. Ele aconteceu na década de 1980, quando ainda não se falava em computador. Eu fazia um curso de pós-graduação em cinema e televisão na NYU, em 1987, com uma bolsa de estudos da Fullbright. Em um departamento que havia nessa universidade, vi um dia caixas de computadores empilhadas, que eu não sabia o que eram. Fui bisbilhotar e descobri que nesse departamento havia um curso que estava ganhando muita força naquele momento, o Interactive Telecommunications Program. Não havia computador pessoal, só aqueles usados em universidades e empresas. Pedi a prorrogação da bolsa e fiz esse curso, em 1988, no qual tive acesso ao primeiro Macintosh. Eu levei um choque! A biblioteca da NYU já era totalmente on-line e nela podiam-se fazer pesquisas em rede, com cruzamentos, igual ao que se faz hoje com o Google. Eu passava horas lá fazendo cruzamentos de informações, para adquirir experiência e por perceber que aquela era uma ferramenta interessantíssima. Ao voltar para o Brasil, só conseguia conversar com pouca gente sobre essa rede. Tinha alguns amigos nerds naquela época, pois fiz engenharia na Poli [Escola Politécnica da Universidade de São Paulo], e só eles entenderam o que eu estava falando. Mudei-me para o Rio de Janeiro no começo da década de 1990, onde tive acesso ao primeiro provedor brasileiro, o da ONG Ibase [Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas], coordenada na época pelo Betinho [o sociólogo Herbert de Sousa]. O Ibase proveu acesso à internet ao público brasileiro, seus integrantes foram pioneiros. Meu primeiro e-mail foi da Alternex, o provedor de acesso do Ibase. Registrei esse endereço em 1992, logo no início, quando o serviço começou a funcionar.


Desde quando você usa o Twitter e como descobriu essa ferramenta? Você imaginaria que seria uma das pessoas mais seguidas no Brasil? (Bruno Daniel Puga, São Paulo/SP)

Nunca imaginei que isso fosse acontecer! Eu comecei a usar o Twitter em 2007. Quando surge uma ferramenta, eu sempre me registro e tento entender como ela funciona. Muitas delas não duram, mas as experimento e depois as esqueço. Percebo que algumas outras nasceram antes da hora, como o Second Life, no qual também me registrei e cheguei a usá-lo. Há ainda aquelas em que apostei muito que dariam certo e não deram, como o Joost, uma TV a cabo sem limites, de graça, na internet. Fui um dos primeiros a me registrar nele, mas não decolou. No caso do Twitter, sempre usei essa ferramenta muito intensamente, desde o começo. Em 2008, fiquei entre os três mais seguidos do Twitter brasileiro, o que foi um susto para mim, porque os outros dois são meganerds, que respeito muito, o Cris [Cristiano] Dias e o Carlos Merigo. Muita gente me pergunta como faço para ter tantos seguidores no Twitter. Penso que a gente imprime na rede a nossa experiência. Não há fórmula mágica. Às vezes, até se tem muita coisa para oferecer, mas não se sabe como. Talvez a linguagem não seja a mais adequada, ou a pessoa pode ser muito popular, mas a maneira como se comunica não é. O verbo da era em que vivemos é ouvir. Temos que aprender a ouvir, senão não sobreviveremos. Quando as pessoas me falam "você pauta, você traz notícias", digo que não. Só ouço com atenção o que me chega. Gasto muito tempo ouvindo e separando o que acho relevante. Não sou eu que sei de tudo, mas tenho uma rede poderosa de pessoas às quais ouço e respondo e que respeito. Eu me corrijo quando erro, brigo, debato, discuto... Acho que isso gera confiança nas pessoas para que me procurem e compartilhem informações comigo.


Até que ponto a utilização de redes sociais pode ser viável no desenvolvimento pessoal e profissional de uma pessoa, sem que ela seja prejudicada pelo excesso de informação e se perca no gerenciamento de sua "vida virtual"? (Daniel Medina, Jundiaí/SP)

Um bom termômetro são os olhos dos nossos filhos ou dos nossos melhores amigos. Para mim, o termômetro é a conexão afetiva. No dia que seu filho começar a achar que você é um idiota, é melhor tomar cuidado. Aliás, é melhor tomar cuidado antes disso. Não significa que dentro do computador mora um demônio, mas somos cobaias de uma fase de transição. É fácil ficar grudado nessa cola sedutora que é a conexão ultrarrápida. O que nos salva é que continuamos tendo de comer, dormir, cuidar do cachorro. Sugiro às pessoas: tenha um cachorro, um gato, de preferência filhos, namorados. Isso é o que importa no fundo. E as redes, meios de troca de informação, de imagem, devem servir a isso. Não é preciso separar uma coisa da outra. Há pessoas que falam: "Agora vou me desligar do computador". Isso é bobagem. Checar o Twitter, por exemplo, é muito rápido, não é uma violência.


O que você acha dos fakes [perfis falsos] espalhados pela internet, inclusive no Twitter? (Weslei Rodrigues, Antonio Carlos/MG)

Há dois tipos de fake. O primeiro é resultado de uma sátira, que pode ser muito legal. É o caso do Victor Fasano, o fake mais famoso do Twitter (@vitorfasano). Não é o ator real, todo mundo sabe disso, mas, sim, um personagem. Ele aborda a realidade pela ótica do Victor Fasano, faz comentários sobre tudo, o Lula, o Big Brother, a seleção brasileira, é genial. Acho que esse cara é um dos maiores comediantes do Brasil atualmente, e ninguém sabe quem ele é. Mas há um segundo tipo, que causa confusão no público. Já criaram fakes meus para oferecer ingressos para a gravação do CQC e para xingar pessoas. Quando há a conotação de falsear uma identidade, o público demora a perceber. E isso é crime. Há muita confusão devido à fase transitória em que vivemos. As pessoas acham que cometer tais ações na rede não é ilícito.


O impacto da incorporação da internet em aparelhos como celulares e TVs acarretará uma supervalorização da informação? (Adaildo Neto, Rio Branco/AC)

A informação sempre foi valorizada. Quem a processa ou a pesquisa tem poder, como os cientistas, os artistas. Eles detêm algo muito poderoso. O mesmo para quem detém a informação do espírito. Não é à toa o crescimento do número de igrejas, de terapias. Tem poder, também, aquele que procura aprofundar a informação. Ela não é mais um bem tão valorizado; o que tem valor é o conhecimento, que é como se aprofunda uma informação. Valem mais as conexões que se fazem entre os fatos do que os fatos em si. Muitos professores implicam com seus alunos por causa da internet, do celular. Eles deviam proceder de outra forma, pois têm uma chance raríssima de exercer apenas a função primordial de sua profissão, que é promover o debate, os insights, aprender junto, gerar o movimento do saber com seus alunos e não apenas trazer coisas para eles.


Como você analisa a prática do jornalismo no mundo contemporâneo e o diálogo dos profissionais da comunicação com as ferramentas modernas e com a sociedade? Percebe-se a pobreza de pautas, além da infinita reprodução de releases. Com tanta informação disponível a um clique, você acredita que os jornalistas estejam cientes de que seu papel está em processo evolutivo e que lhes será exigido mais apuração, mais pesquisa e mais riqueza em suas reportagens? (André Patroni, Campo Grande/MS)

Pode parecer paradoxal, mas creio que o jornalismo vive uma época de ouro. Apesar do sucateamento dos veículos de comunicação, há muita gente interessante que agora tem outros meios de fazer jornalismo. E há outras pessoas também interessantes que continuam a fazer o jornalismo tradicional. Podemos selecionar o que ler de uma maneira muito mais abrangente. O mundo está mais generoso com o talento das pessoas. Essa é mais uma característica dessa fase de transição de que falei há pouco. É uma transição que talvez não acabe nunca. Vivemos numa fronteira que não é e nunca será definida. Estamos em um novo estado permanente, um mundo, literalmente, mais etéreo, que escorrega, que não conseguimos pegar. Esse estado é, inclusive, mental, espiritual. Por isso, é importante a conexão pelo olhar, o contato com o outro e com você mesmo, com seu corpo. Hoje quase todos nós, invariavelmente, temos dores nos braços por ficar muitas horas em frente de um computador. É bom ouvir os sinais dados pelo corpo, pois tenho certeza de que daqui a cinco, dez anos a pauta da saúde vai ser uma pandemia de LER [lesão por esforço repetitivo].

Fonte: Revista Continuum Itaú Cultural

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