quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Arteducação: uma aliada para o Ensino de Produção Cultural


Imagem do site da Agência Carta Maior


Por Alê Barreto


A reportagem que transcrevo abaixo na íntegra, publidada originalmente pela Agência Carta Maior, nos dá um panorama do desenvolvimento deste novo ramo de conhecimento. Acho importante conhecermos um pouco deste assunto, pois trata-se de uma disciplina que pode ser uma forte aliada de nossas ações para educar pessoas para produção cultural.


Arteducação no Brasil: trinta anos em poucos segundos

Três décadas de debates acerca da intersecção entre arte e educação trazem ao FSM 2009 senão um consenso sobre a área, com certeza um bom acúmulo de reflexões e encaminhamentos para uma melhor estruturação do ofício que ainda luta contra as limitações do sistema formal de ensino e, fora dele, encontra escassos incentivos que o viabilizem. Dan Baron (foto), ativista cultural e arteducador, lamenta que nenhum segundo da conversa entre o presidente Lula e o Conselho Internacional do FSM tenha sido dedicado à cultura.

Eduardo Carvalho

BELÉM - Nos princípios da década de 80, em um curso pré-vestibulares de São Paulo, o professor Hildebrando Afonso de André - que já revolucionara com sua Gramática Ilustrada, usando elementos artísticos para quebrar a aridez das gramáticas de antanho – trazia para a sala de aula um jovem professor de teatro e falava de experiências pioneiras sobre a utilização do estímulo afetivo e do artístico para a fecundidade do gesto criativo, sobremaneira na escrita. Nascia neste ambiente o Laboratório de Redação com tal e outras influências de Paulo Freire. Muitas outras iniciativas semelhantes multiplicaram-se espontaneamente em escolas mais progressistas dos grandes centros. Na academia, pioneiras como Ana Mae Barbosa (saiba mais), também tocada pelo encantamento freiriano, já desenvolviam estudos, propostas e trocas interessantes na área. Menos de trinta anos bastaram para transformar estas iniciativas tateantes num universo complexo, polêmico e multifacetado da arteducação que está sendo discutido no FSM 2009 permeado de temas transversais como a economia e a democracia participativa, formação e fortalecimento de redes, políticas públicas e outros afetos a esta arena de debates.

A polêmica já começa pela escolha da grafia. Querem alguns que seja arte educação, outros arteducação, sem que uma semântica definitiva esteja pronta. No caso, nem tanto uma semântica, mas um consenso. Há os que atribuam a competência a pedagogos, outra corrente quer que seja área de domínio dos artistas, há quem proponha capacitação complementar de ambos os profissionais. A precursora Ana Mae Barbosa, professora aposentada da Universidade de São Paulo, propõe atuação conjunta de pedagogos, artistas e arteducadores. Há ainda casos como o de Maria Benites, do Instituto Vygotisky e Coordenadora do doutorado em educação da Faculdade de Educação da Universidade de Siegen, Alemanha, que brada o caos na área a quem queira ouvir: “não existe esta balela de arteducação. O que há é arte. E arte é apenas arte, não se presta e não pode se prestar a nada senão ser arte”.

O acalourado debate segue apresentando sínteses cabíveis para as tão bem argumentadas posturas, o ensino de arte na escola já se tornou tema corrente em diversos níveis da verticalizada hierarquia educacional brasileira. Há, no entanto, uma outra vertente que tem se avolumado e que está se tornando visível em meio a tantas opiniões: os que concordam que, na escola, a arteducação deve ser aplicada de acordo com os pressupostos formais (em consonância com os cânones acadêmicos de uma academia de moldes europeus), porém lutam para que a arteducação extrapole os muros escolares e possa ser praticada livremente, com fins educacionais não-formais, em centros comunitários, em centros de cultura, em assentamentos e acampamentos rurais...


Artes na construção de um novo paradigma da educação

O inglês radicado no Brasil, Dan Baron, ativista cultural, arteducador, ator e autor do livro Alfabetização Cultural - a luta íntima por uma nova humanidade (saiba mais) e também discípulo confesso de Paulo Freire, abriu o encontro Educação, Artes, Políticas e Transformação Social – Qual o papel das artes na construção de um novo paradigma da educação no Século XXI, atividade da ABRA – Rede Brasileira de Arteducadores, dando duas notícias. Na primeira, disse estar chegando, naquele instante, de uma mesa do Conselho Internacional do FSM com o Presidente Lula e constatou que nenhum segundo do diálogo tenha sido dedicado à Cultura, justamente nesta edição do fórum em que vemos substantivo acréscimo do debate do papel de centralidade da cultura nos processos de desenvolvimento sócio-econômico. Também não falaram de Educação.

A outra notícia era a de que, no dia 1º de fevereiro, às 9h na UFPA, acontece uma Assembléia de Aliança para a articulação de um Congresso Mundial sediado em Belém em julho de 2010. A proposta é a formulação de uma educação transformadora, calcada em alianças entre artistas, educadores, produtores culturais e ativistas organizados na construção de um modelo de educação destinado a formar comunidades de solidariedade, cooperação e desenvolvimento sustentável.

A propositura do encontro da ABRA - que reúne dezenas de colaboradores, como a Aliança Mundial pelas Artes Educação, a Associação Internacional de Drama Educação (IDEA), além de importantes institutos e núcleos nacionais - era o de ser um espaço colaborativo de convergências para o afloramento de proposituras e encaminhamentos para a Assembléia que proporá um encontro estruturado destinado a abrigar o complexo tema da arteducação, num contexto em que também se privilegiam os modelos informais de educação, transcendendo os cânones e os preconceitos acadêmicos.

Luvel Garcia, arteducador do Projeto Zunzún de Cuba, foi o primeiro provocador a propor questionamentos e temas para o debate, contornando a dimensão combativa da cultura e indagando qual é a confluência possível entre política, educação, arte e transformação social, questionou se é possível conceber tal convergência no seio do pensamento dialético, marxista, para promover uma aliança entre ética e estética que resgate e dê coerência às práxis cultural e educacional.

Arteducadora do Theatre de Petites Lanternes, do Canadá, uma experiência de teatro profissional e engajado de Quebec que trabalha formas de dar voz à comunidades e que já atuou na África Francofônica, Angèle Seguin foi a segunda provocadora. Ela ressaltou que, em seu trabalho, o valor da estética transcende o valor do tema e o desafio passa a ser como reintegrar a dimensão estética aos desafios sociais.

Hamilton Faria, poeta e fundador do Instituto Pólis, falou do papel do artista citando Modigliani: “O real dever do artista é salvar o sonho”. Desta inspiração e diante da constatação de que, no mundo mercantilizado, só há o sonho mercantil do consumo, o poeta fez um convite ao maravilhamento, ao reencantamento do sonho e da sociedade por meio da cultura, da arte.

Ressaltou que a criação artística é vital “para a preservação da memória; para o desafio da invenção, para afirma a diversidade e a identidade dos povos; para o enraizamento étnico, social e cultural; para o diálogo intercultural; para o enriquecimento do imaginário; para a construção da subjetividade e da qualidade de ser; para a promoção da ética; para a aproximação solidária entre pessoas e delas com a natureza; para o equilíbrio e a integridade espiritual do planeta; e para gerar condições que permitam um processo criativo em benefício da comunidade dos seres vivos”. Concluiu evocando a força transformadora da cultura para a construção de um mundo poeticamente habitável.

Deize Botelho, arteducadora do Galpão de Artes de Marabá, que também é Ponto de Cultura, falou da realidade local e da constante busca por recursos e pelo maior envolvimento da comunidade para que as ações culturais produzidas no Galpão sejam cada vez mais gregárias, plurais, compartilhadas e, assim, irradiar bem-estar social. Fez também um balanço das políticas na área de cultura. César Noreiro, diretor teatral de Vichama, periferia de Lima, no Peru, fechou o quadro de provocadores falando sobre quatro dimensões da arte: a visionária, a pedagógica, a curativa e a transformadora. Para ilustrar a dimensão curativa da arte narrou o massacre de campesinos em seu país e os pérfidos efeitos nos sobreviventes com quem trabalhou.

A metodologia de diálogo proposta por Dan Baron deu um ar de sarau político-cultural ao encontro. Os convidados cantaram e declamaram obras relacionadas com suas provocações - como convém a arteducadores - e o processo de trocas dialógicas, depois coletivas, possibilitou um acúmulo de encaminhamentos que culminarão, na Assembléia das Alianças, na elaboração de um documento a ser remetido ao Comitê Internacional do FSM. Longe de apontar um consenso para o debate, quem sabe se, ao menos, nas próximas reuniões do comitê com altas autoridades, temas como o da cultura, educação e, quiçá, arteducação sejam contemplados com ao menos alguns segundos das densas agendas do poder maior.

LEIA ainda em Carta Maior "Especial Arte & Educação" com 15 artigos sobre o tema.

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