quinta-feira, janeiro 01, 2009

Muito para poucos



Reportagem de Larissa Guimarães, da Sucursal de Brasília do jornal Folha de São Paulo, publicada originalmente em 11 de dezembro de 2008 e posteriormente em 22 de dezembro de 2008 no site do Ministério da Cultura

Os recursos da Lei Rouanet, principal mecanismo para o financiamento da cultura no país, concentram-se nas mãos de poucos. Metade de todo o dinheiro que a lei torna disponível é captado por apenas 3% das empresas e entidades que apresentam projetos culturais em busca de patrocínio.

Dos 4.334 proponentes que no ano passado tentaram captar recursos pela Rouanet, 130 conseguiram R$ 483 milhões -quase 50% do total arrecadado (R$ 974 milhões).

A proponente com maior captação em 2007, com 100% de renúncia fiscal, foi a Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira, com R$ 17,38 milhões. A Dançar Marketing e Comunicações, com projetos como o Telefonica Open Jazz e o Cine na Praça, ficou em segundo lugar, com R$ 11,54 milhões. Em terceiro, a Fundação Roberto Marinho, com R$ 9,95 milhões -dos quais R$ 8,61 milhões foram para o Museu do Futebol, em São Paulo.

O Ministério da Cultura e parte do setor cultural apontam essa concentração como uma distorção. A crítica é a de que apenas projetos de grande porte e maior apelo de marketing levam vantagem. Em 2007, por exemplo, só um terço dos projetos conseguiram captar dinheiro pela Rouanet.

Pela lei, projetos ou proponentes buscam o patrocínio de empresas, que podem abater todo o recurso ou parte dele no imposto devido. O percentual de abatimento depende da natureza do projeto. No caso de música erudita, por exemplo, 100% do valor patrocinado é deduzido. Para música popular, 30% é abatido em imposto, e a empresa desembolsa 70%.

“Hoje os índices de renúncia fiscal são pré-definidos, o que não estimula o desenvolvimento do setor cultural. Será que não há projeto na área de música popular que mereça um índice maior?”, disse o ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante debate com empresários sobre a Rouanet, na semana passada.
Para ele, o modelo de financiamento da lei faz com que haja um predomínio da renúncia fiscal. De cada R$ 10 captados pela lei, afirma, R$ 9 são de renúncia. “Parece dinheiro privado, mas não é. Criamos um vício de mecenato com dinheiro público. O índice de 100% deveria se tornar uma exceção.”


Mudanças

O governo quer levar ao Congresso, em fevereiro, um projeto de lei para alterar regras da Rouanet, com novos critérios para a renúncia. A idéia, diz o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, Roberto Nascimento, é estabelecer pontuações e pesos diferentes. “A pontuação envolveria, por exemplo, a venda ou não de ingressos no local de realização”, afirma.

Outro ponto a ser alterado é o funcionamento do Fundo Nacional da Cultura (FNC), criado para captar e destinar recursos a projetos culturais. A proposta do ministério é criar fundos setoriais dentro do FNC, que movimenta cerca de R$ 180 milhões ao ano, para melhorar a distribuição do dinheiro e facilitar o planejamento.


Concentração

Representantes do setor cultural apontam a necessidade de mudar a lei do mecenato. O superintendente de atividades culturais do Itaú Cultural, Eduardo Sarón, diz que a lei é concentradora. Ele defende a manutenção do índice de 100% de renúncia fiscal para museus e aquisição de acervo, mas avalia que “para projetos grandes, consagrados, poderia haver contrapartida maior da iniciativa privada.” O Itaú Cultural foi o proponente com maior contrapartida no ano passado.

Representante da maior incentivadora da Lei Rouanet no país, a gerente de patrocínios da Petrobras, Eliane Costa, também vê necessidade de mudanças. “A Rouanet foi uma das grandes responsáveis pelo desenvolvimento cultural do país, mas pode ser aperfeiçoada.”

Voz dissonante, o diretor-executivo do MAM-SP, Bertrando Molinari, diz que a criticada concentração por Estados espelha os PIBs regionais. “A “concentração” pode estar distorcida: uma empresa com sede no Sudeste, por exemplo, pode disseminar suas atividades culturais nacionalmente.”

Ele lembra que a Rouanet foi criada (em 1991) num ambiente de instabilidade econômica. “Mesmo assim, a lei passou bem por esses anos, assim como pelos últimos anos de estabilidade. Às vésperas da crise, talvez merecesse mais uma oportunidade de ser testada.”


Outro Lado

Há exagero e “componente ideológico” nas críticas do Ministério da Cultura sobre a concentração de recursos pela Lei Rouanet. A afirmação é de Cláudio Vasconcelos, gerente jurídico da Fundação Roberto Marinho, proponente que teve a terceira maior captação de recursos pela lei em 2007, com 100% de renúncia fiscal.

“A Lei Rouanet fez do Brasil uma potência cultural nos últimos 17 anos. Embora não seja perfeita, é um instrumento importantíssimo”, afirmou. Nos últimos anos, a fundação organizou dois dos museus mais visitados no país: o Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Futebol, ambos em São Paulo. “São espaços públicos, com dinheiro público, com acesso público e permanente e sem fins lucrativos. Eles não existiriam sem patrocínio”, afirma.

Vasconcelos diz que todos os projetos da fundação estão ligados às redes de ensino público. “Os projetos de patrimônio histórico são pensados para serem integrados aos currículos escolares. É difícil apontar no país verba mais bem aplicada.”

A Folha entrou em contato com os três proponentes com maior captação de recursos pela lei em 2007, dentro do critério de 100% de renúncia. A reportagem procurou a Orquestra Sinfônica Brasileira, a primeira no ranking, desde sexta-feira. A assessoria da orquestra informou que o diretor de marketing e negócios, Ricardo Levisky, estava em viagem e era o único que poderia falar sobre captação de recursos pela lei.

A assessoria de imprensa da Dançar Marketing e Comunicações, a segunda colocada, informou que o diretor da entidade estava doente e não poderia atender a reportagem.

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