quarta-feira, novembro 19, 2008

Vamos educar pessoas para a produção cultural?



Por Alê Barreto

Uma das formas mais correntes de se iniciar um trabalho com produção cultural independente é através de atividades práticas. No percurso de uma formação autodidata, uma das preocupações é entender o que é e quais são as atividades da “produção cultural”. Para obter algumas respostas a este questionamento, uma alternativa pode ser entrevistar produtores que atuam há mais tempo, bater papo com muita gente da música, das artes cênicas e visuais.

Em 90% das conversas, é comum que se escute frases como "não temos produtores", "faltam bons profissionais na área de produção", "desisti de procurar produtores, é tudo uma máfia". Vamos agora fazer uma breve análise destas respostas.

Ao ouvir repetidas vezes que não temos produtores culturais e perceber que, apesar disso, acontece muita coisa no mundo da cultura, verifica-se que "não ter produtores culturais" significa nestes casos "temos poucas pessoas que se dedicam integralmente a esta atividade". Se comparado com o número de pessoas que se dedicam à criação cultural (escritores, músicos, atores, dançarinos...), o número de produtores culturais será sempre menor. Isso pelo fato de que o produtor cultural, num resumido conceito (e que não pretende ser o único) dedica-se a "fazer acontecer" a criação cultural. Se o produtor cultural for outra pessoa que não o próprio criador cultural, e isso é uma decisão de cada um, haverá sempre muito mais criadores do que produtores. Mas, no fundo, todos sabem que quando "não há produtores" os artistas tornam-se seus próprios produtores. Logo, não existe o problema quantitativo: há um número suficiente de pessoas que podem ser produtores culturais, provenientes de todos os ramos da arte e inclusive de outras áreas do conhecimento (jornalistas, publicitários, advogados, administradores, arquitetos, economistas, sociólogos, antropólogos...).

Vejamos a segunda frase: "faltam bons profissionais na área de produção". Será verdade? Num país que tem 5520 municípios distribuídos em 26 estados e um distrito federal, são necessárias informações mais concisas para que se chegue a alguma conclusão. Repetindo a frase e incluindo uma segmentação por área artística tem-se “faltam bons profissionais na área de produção da música”. Agora, adicionando ainda a segmentação geográfica à esta nova frase: “faltam bons profissionais na área de produção da música no estado do RS”.

Este breve exercício pretende apontar duas questões que derivam disso: muitas vezes os dados são comparados a partir de bases incompletas e há falta de informações integradas sobre os mercados culturais existentes no Brasil. Não se deve esperar que uma cidade como Porto Alegre tenha o mesmo número de produtores que o Rio de Janeiro. Além disso, se for avaliado o grau de informalidade com que ocorrem as relações de trabalho e prestação de serviços na área nota-se que não há um local onde estas informações estejam acessíveis de forma direta.

Por fim, o conceito de "bons profissionais" passa por uma avaliação feita por uma massa crítica formada hoje por 99% de pessoas que exercem a atividade de produção cultural das mais diferentes formas e com os mais diferentes critérios, pelo fato de que a produção cultural como disciplina existe a pouco mais de 10 anos no Brasil, enquanto curso de graduação. Como seria se todos os prédios existentes no Brasil tivessem sido construídos por milhares de engenheiros, há vários séculos, mas só há duas décadas tivessem surgido as três primeiras faculdades de graduação em engenharia? Com que critérios estes engenheiros iriam avaliar quem é bom ou mau profissional?

A falta de acesso à educação para a atividade de produção cultural prejudica todo o sistema de cultura existente no país, pois limita a oportunidade de aprendizado e qualificação para o desempenho desta importante atividade: somente poderão ser bons produtores, bons no sentido de profissionais qualificados, aqueles que trabalharem com produtores com longa experiência prática (nem sempre livre de equívocos), que tenham trabalhado/estudado com artistas e produtores de países onde o sistema cultural é mais desenvolvido ou que tenha estudado nestes três primeiros cursos de graduação em produção cultural.

“Desisti de procurar produtores, é tudo uma máfia". Esta afirmação geralmente é feita por pessoas que conhecem pouco desta atividade ou que não entendem a importância da mesma. Iluminador é importante. Roadie é importante. Técnico de som é importante. Diretor de palco é importante. E o produtor cultural é muito importante. Conforme definição da produtora Marina Vieira, da ONG Tangolomango, o produtor proporciona "as trocas necessárias, o encontro entre os diferentes atores que irão realizar a ação cultural”.

Constatado que quantitativamente muita gente pode exercer a atividade de produção cultural, que é uma atividade muito importante e que há poucas oportunidades de ensino especializado desta atividade, fica aqui a proposta de que cada criador cultural e os produtores independentes de cada cidade do país se articulem para que em suas cidades sejam criados cursos técnicos (nível médio) e cursos de graduação em produção cultural. E isso pode ser feito através de parcerias com escolas técnicas e universidades já existentes. É um processo longo, que precisa sensibilização, articulação, mas que no médio e longo prazo irá fazer o setor cultural dar um grande salto qualitativo.

Ao invés de reclamar, vamos educar as pessoas para a produção cultural?

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