segunda-feira, setembro 28, 2009

A profissionalização dos setores culturais


Abertas novas turmas para o MBA em Gestão Cultural da Universidade Cândido Mendes


Por Alê Barreto (alebarreto@produtorindependente.com)


Compartilho com todos um texto da professora Kátia de Marco, cientista social, mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (UFF), membro da Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA) e da Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP), presidente da Associação Brasileira de Gestão Cultural (ABGC) e coordenadora do Programa de Estudos Culturais e Sociais, do MBA em Gestão Cultural, do MBA em Gestão Social e da pósgraduação em Vinho e Cultura da Universidade Candido Mendes (UCAM).



A profissionalização dos setores culturais

Kátia de Marco


A arte e a cultura – como produção de conhecimento e, sobretudo, como entretenimento – têm movimentado de maneira crescente, no decorrer das duas últimas décadas, importantes índices mercadológicos, que impulsionam a expansão das indústrias culturais nacional e internacional. Estudos recentes apontam para mudanças antropológicas nos padrões de consumo e lazer das sociedades contemporâneas ocidentais, alocando a cultura em um patamar privilegiado pelos novos padrões de qualidade de vida, cada vez mais fundamentados na ampliação dos meios tecnológicos,o que gerou o compartilhamento de um novo tempo estendido e de espaços inéditos de comunicação para usufruto do lazer e da cultura.

Percebemos, hoje, que a cultura vem sendo priorizada como foco crucial nas agendas dos programas de desenvolvimento, permeando as temáticas de diversos segmentos de Estado, expandindo suas vertentes como alicerce estratégico na própria governabilidade das nações. É um dos setores de mais rápido crescimento nas economias pós-industriais, situando-se, além de seu implícito valor intangível, também como valor tangível, delineado por seu potencial de mercado. A conjunção que alia a economia do conhecimento – balizada pelas esferas da produção de conteúdo por meio das atividades artísticas e intelectuais – com a economia do entretenimento – ilustrada sobretudo pelos setores das indústrias fonográficas, audiovisuais, editoriais, redes informáticas e produções de grande dimensão – equipara a cultura a segmentos das indústrias tradicionais, no que diz respeito à lógica numérica dos grandes mercados, na incidência dos índices monetários (cf. Canclini; Moneta, 1999).

Conforme argumenta George Yúdice em A conveniência da cultura (2004), a cultura passa a ser entendida como recurso valioso, comparado aos recursos naturais, fundamental para o fortalecimento do tecido social, situando-se ainda como capital social de uma nação, perpassando, de maneira transversal, os segmentos políticos, econômicos e sociais. Desse modo, a cultura amplia sua legitimidade deslocando-se do campo formal das artes, folclore e patrimônio e de sua especificidade científica no campo das ciências sociais para as esferas de conhecimento do mundo dos negócios, do gerenciamento, da distribuição e do consumo de produtos e serviços.

Essa percepção ampla acerca do papel central da cultura no processo de desenvolvimento social e econômico das nações e como busca da inclusão cultural enquanto ação transformadora foi, em grande parte, preconizada pela Unesco. Por meio das temáticas de seus consecutivos fóruns, a cultura ecoou nas esferas sociopolíticas internacionais como protagonista do desenvolvimento humano, promotora da redução de desigualdades e fio condutor da prática dos direitos humanos (Cuéllar, 1997).

Em 1982, o Congresso Mundial sobre Políticas Culturais ocorrido no México, também nominado “Mondiacult”, semeou as bases para essa virada essencial na concepção tradicional de cultura, ampliando seu espectro social, econômico e político. Fazendo reconhecer esses novos fundamentos, as Nações Unidas decidiram consagrar o decênio de 1988 a 1997 ao estudo, formulação e divulgação de uma nova dimensão desenvolvimentista para a cultura e formaram uma comissão independente, auspiciada pela Unesco, presidida por Javier Pérez de Cuéllar e com a colaboração de representantes de diversas nações. Por meio dos estudos desenvolvidos pela Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, Cuéllar (1997) lançou a pedra fundamental que delinearia a inserção da cultura no novo milênio chamando a atenção para a máxima de que é o desenvolvimento que floresce com a cultura e não o contrário, como se preconizava. Na mesma vertente, Enrique Iglesias, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, ao sustentar as metas da instituição em promover o desenvolvimento econômico e social, institui a cultura como base primordial dos ideários de uma reforma social para a América Latina mediante elevação dos níveis de educação e capacitação, buscando que estes incidam na produtividade e na melhoria da eqüidade social (cf. Arizpe, 2000).

No Brasil, as tentativas de implantar um sistema público de cultura, gerador de políticas estratégicas e continuadas para o setor, são uma experiência relativamente recente, tal como ainda é neófita a compreensão da produção da cultura num sentido holístico, permeando as áreas da economia, da administração, do marketing, do direito, do turismo e das relações políticas em geral.

A ressonância dessas novas abordagens permearam o cenário brasileiro durante a criação do Ministério da Cultura e das secretarias estaduais e municipais de cultura, que começaram a ser implementadas em meados dos anos 80, marcando o início do processo de redemocratização nacional. Os incentivos fiscais à cultura foram criados no Brasil com a Lei Sarney em 1986. Quatro anos depois, o governo Collor extinguiu os poucos mecanismos de fomento à cultura implementados pelo Estado. Mais adiante, em 1991, foi criada a Lei Rouanet; em 1993, a do Audiovisual, entre tantas outras estaduais e municipais que vieram a seguir. Enfim, estamos falando de uma experiência efetiva de duas décadas e de experimentações políticas cujas vivências demandam ainda ajustes e reestruturações, ou seja, trata-se de um processo ainda em construção.

Vivenciamos um período de grandes mudanças e de novas experiências na pasta da cultura em nosso país. De fato, houve uma abertura do diálogo com as comunidades relacionadas e de interesse, e os canais interativos se processam de maneira mais eficiente. No entanto, o Estado não pode perder de vista sua costura democrática e de
representação ampla, devendo atuar mais como maestro e menos como interventor, como estimulador atento às diversidades e nuances regionais sociopolíticas e econômicas, atendo-se não somente à produção de cultura e à circulação de bens culturais mas também à formação profissionalizante dos agentes culturais e à formação de artistas e público.

Cabe ainda, como desafio ao governo, desacelerar a corrida atropelada às leis de incentivo e promover o estímulo da participação empresarial no processo de financiamento privado à cultura mediante campanhas efetivas de aculturação e adesão de setores da sociedade civil como contrapartida cidadã e de responsabilidade social, minorando a tendência aos focos de interesse meramente mercadológicos das empresas. Tal cenário vem sendo dinamizado na atualidade e promove, paulatinamente, uma ampliação da conscientização corporativa de construção, manutenção e até mesmo de
resgate de marcas por meio da eficácia de ações em marketing institucional na implementação de incentivo à produção de cultura e de ações sociais.

Na diretriz de potencializar essa vertente, verificam-se a importância e a necessidade de o desenho das estratégias políticas estar sustentado,estruturalmente, por pesquisas atualizadas e oficiais e, sobretudo, por deliberações formuladas por conselhos representativos de todos os segmentos socioculturais da sociedade civil. A cautela e a sensibilidade em tratar diferencialmente, dando os mesmos espaços ao produtor de arte que busca financiamento e aos artifícios potentes do poder econômico utilizados pela indústria cultural, são uma das grandes expectativas. Há um aumento na demanda por informações confiáveis, por suportes de indicadores culturais efetivos, mapeamentos e diagnósticos profissionais. A atuação pública não mais deverá ser pautada por iniciativas isoladas, com resultados de sucessos casuais e pontuais recortados de uma estratégia maior, sem o respaldo de programas continuados e censos periódicos promovidos por institutos de pesquisa fidedignos.

Cada vez mais nos certificamos de que a arte e a cultura são geradoras de empregos diretos e indiretos, dinamizando recursos e investimentos na mesma ordem que outras atividades econômicas tradicionais. Assim sendo, tem-se a dimensão da necessidade premente da profissionalização dos setores culturais e da sistematização do conhecimento acadêmico como uma tônica global. A formação autodidata na área cultural sempre predominou, e a gestão cultural é uma profissão que se desenvolveu a partir da prática real, fundamentada em um conhecimento empírico pouco desenvolvido como objeto de estudos e pesquisas.

A partir dos anos 90, o cenário cultural apontava mudanças profundas no que se refere à produção, à administração e ao consumo culturais, gerando uma ambiência que apontava para a necessidade de profissionalização dos setores culturais públicos e privados. O desafio seria ainda maior para a administração pública, que se via diante da necessidade de formar seus quadros a fim de capacitar para a gestão profissional essa nova estrutura que se potencializava em crescimento. Desse modo, os setores de cultura e de entretenimento configuraram-se como campos promissores para o desenvolvimento de profissionais formados nas áreas de administração, comunicação, economia, direito e marketing, tendo em vista as ativadas demandas do mercado de trabalho nos setores da cultura em seu espectro mais amplo, como ilustramos anteriormente. De fato, em nossa experiência de cinco anos no setor, presenciamos esse novo público aproximar-se dos cursos de pós-graduação em Gestão Cultural. Em grande parte são profissionais graduados em áreas afins que se vêem traídos por esse mercado e são motivados a aprimorar-se e a especializar-se em cultura como campo ampliado para o exercício de suas práticas formativas de graduação.

A necessidade premente de profissionalizar e capacitar profissionais na área advém de uma demanda de priorização da gestão administrativa de excelência que viabilize otimizar a relação custo-benefício entre cultura e mercado, compreendendo as dinâmicas dos ciclos produtivos da cultura em prol da auto-sustentabilidade de ações sociais e culturais como alicerce do desenvolvimento social regional e nacional.

Essa nova categoria profissional necessita habilitar-se quanto à capacidade organizacional e à ampliação de conhecimento junto ao instrumental técnico das áreas de planejamento e gestão e embasar-se em conteúdos reflexivos e avaliativos inclusos no macrocenário da cultura no que se refere aos conhecimentos advindos de saberes afins, conforme citado.

O gestor cultural deverá conhecer as especificidades dos diversos espaços de atuação: museus, centros culturais, teatros, casas de espetáculos, bibliotecas, sets de filmagem, produtoras privadas, setores da indústria cultural, departamentos de marketing de empresas, secretarias de cultura, órgãos públicos etc. Deverá ainda ter um conhecimento amplo e atualizado dos diversos meios de expressão, focando-se com mais profundidade na área escolhida para atuar, estando atento ao direcionamento conceitual e empírico das diretrizes das políticas culturais, das orientações e mecanismos de financiamento e das estruturas de captação de recursos.

Na busca recente por delinear seu universo de atuação, focos de estudo e de mercado de trabalho, a transdisciplinar área profissional em Gestão Cultural possibilita o diálogo aberto com diversas áreas e segmentos sociais interceptando-os com o desafio de uma abordagem inovadora e humanista, descortinando novas questões para seus temas reflexivos, na medida em que a cultura tem a característica intrínseca de fazer pensar o que expressa, de flexibilizar fronteiras cristalizadas, podendo revitalizar essas especializações permeando o universo das artes e dos meios de expressão, provocando com novas perspectivas analíticas seus objetos de estudos originais.


Bibliografia

ARIZPE, Lourdes. La integración de la identidad a la globalización. Cultura e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Funarte, 2000. (Cadernos do Nosso Tempo).

CANCLINI, Néstor García; MONETA, Carlos Juan (orgs.). Las industrias culturales en la integración latinoamericana. México: Grijalbo, 1999.

CRESPO-TORAL, Hernán. Nuevas perspectivas a las relaciones entre la cultura y el desarrolo. Cultura e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Funarte, 2000. (Cadernos do Nosso Tempo).

CUÉLLAR, Javier Pérez de (org.). Nossa diversidade criadora. Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento. Campinas/Brasília: Papirus/Unesco, 1997.

YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: UFMG, 2004.

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