quinta-feira, março 31, 2011

Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor




Por Alê Barreto*
alebarreto@gmail.com


Se eu pensar no que pode ser o conceito de produtor cultural independente, do ponto de vista meramente intelectual, acadêmico ou de mercado, corro o risco de apagar uma das mais significativas consequências do nosso trabalho, dificilmente lembrada em artigos ou livros: trabalhar com cultura nos empodera.

Saber produzir uma ação cultural, vista no sentido amplo, com as suas mais diferentes conexões e impactos no imaginário das pessoas, na comunicação, na arte, no entretenimento, na economia, no comportamento, na educação, na tecnologia da informação, no esporte, no turismo, na memória, nos torna potentes. Desde a produção de um sarau para poucos pessoas até a produção de um megaevento, nós, produtores culturais independentes, somos capazes de contribuir para um convívio coletivo mais sustentável.

Diante desta constatação, me pergunto: nós, produtores culturais independentes, estamos utilizando esta capacidade? Estamos nos dando conta que por mais difíceis que sejam ou pareçam ser nossos contextos, temos no mínimo uma possibilidade de interferir e alterar o estados das coisas?

Na segunda-feira passada, o programa CQC da Band, coordenado pelo Marcelo Tas, exibiu uma entrevista com o deputado federal Jair Bolsonaro. Numa parte do programa, a cantora Preta Gil, filha de Gilberto Gil, músico e ex-ministro da cultura, perguntou ao deputado o que ele faria se seu filho se apaixonasse por uma negra.

O deputado Jair Bolsonaro respondeu da seguinte maneira (veja no vídeo):



"Não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como, lamentavelmente, é o seu".


O deputado divulgou em seu site uma nota de esclarecimento, na qual afirma o seguinte:



"A respeito de minha resposta à cantora Preta Gil, veiculada no Programa CQC, da TV Bandeirantes, na noite do dia 28/03/2011, são oportunos alguns esclarecimentos.

A resposta dada deve-se a errado entendimento da pergunta - percebida, equivocadamente, como questionamento a eventual namoro de meu filho com um gay.

Daí a resposta: “Não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Não corro esse risco porque os meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o teu.”




Duas coisas são piores do que a resposta e a nota de esclarecimento: dar uma resposta tipo "olho por olho, dente por dente". Vai contra o artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A outra é aceitar estas palavras calado, sem nenhuma atitude.

O silêncio das pessoas preocupava Martin Luther King. O líder do movimento dos direitos civis dos negros e Prêmio Nobel da Paz falava que



“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons”.

Martin Luther King, onde quer que você esteja, saiba que aqui no Brasil esta situação está mudando. Estamos avançando. Estamos aprendendo a não ter medo de soltar a nossa voz, toda vez que a possibilidade de viver em um país mais plural, mais solidário, mais humano, mais responsável e menos desigual for ameaçada por discursos carregados de intolerância contrários ao espírito de fraternidade.

Parabéns para a Preta Gil e seu advogado por soltarem sua voz. Segundo matéria publicada dia 29/03 no O Globo, já estão tomando providências legais:



"O advogado da cantora, Ricardo Brajterman, afirmou que, na esfera criminal, entrará com uma representação no Ministério Público por crime de intolerância racial e homofobia. Na esfera cível, vai entrar na comarca da capital fluminense com uma ação para reparação por danos morais. Para completar, o advogado entrará com uma notificação junto à Comissão de Direitos Humanos da Câmara".

Parabéns para o deputado Jean Wyllys, citado também nesta mesma matéria, por soltar a sua voz:

"Integrante da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT, que foi relançada nesta terça-feira , o deputado Jean Wyllys pediu o apoio dos movimentos negro e LGBT contra as declarações de Bolsonaro".




Parabéns para o governo federal, em especial para a Ministra Maria do Rosário, por soltarem sua voz. O site R7.com publicou dia 30/03 que:

"a polêmica chegou até ao governo. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, criticou a postura de Bolsonaro e afirmou que o deputado faz declarações racistas e homofóbicas protegido pela imunidade parlamentar".


Parabéns para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e aos vinte deputados que soltaram sua voz e estão tomando providências com relação a este episódio junto a corregedoria da Câmara,



conforme publicado na matéria "Instituições pedem cassação de Bolsonaro por declarações racistas" do site da Band também no dia 30/03.


Volto a minha pergunta: nós, produtores culturais independentes, como cidadãos, estamos utilizando nossa possibilidade de interferir e alterar o estados das coisas para contribuir com a construção de um convívio coletivo mais sustentável?


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* Alê Barreto é um administrador e produtor cultural independente. Trabalha com foco na organização e qualificação dos profissionais de arte, comunicação, cultura e entretenimento. É autor do livro Aprenda a Organizar um Show, primeira publicação livre e gratuita no Brasil sobre a tecnologia de produção de shows, escreve para o site Overmundo e para a revista Fazer e Vender Cultura.

Ministra cursos, oficinas, workshops e palestras. Já atuou em capacitação de grupos culturais em parceria com o SEBRAE AC. Presta consultoria e assessoria para artistas, empresas e produtores.

Contato: (21) 7627-0690 Rio de Janeiro - RJ - Brasil




Alê Barreto é cliente do Itaú.

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