sábado, agosto 30, 2008

Da Opinião ao Dado



Artigo do professor Teixeira Coelho sobre o Observatório Itaú Cultural, publicado na Revista Observatório Itaú Cultural nº1 (jan./abr. 2007)


O observatório é um privilegiado instrumento de política cultural – outro modo de dizer que um observatório é um instrumento ímpar do planejamento da cultura. Ainda que o planejamento da cultura seja impossível ou, quando possível, indesejável. Um paradoxo, portanto. Em nada estranho ou incômodo – porque a cultura está forrada de paradoxos. De fato, o outro nome da cultura é paradoxo. Mesmo os mais recalcitrantes admitirão que, em todo caso, um outro nome para diversidade cultural é paradoxo. Paradoxo: aquilo que está ao lado da opinião, do lado de fora da compreensão, em contraposição sobretudo ao ortodoxo, à opinião reta e, pior, à opinião correta.

É o reconhecimento da cultura como paradoxo que levou à escolha da denominação observatório ali onde, na universidade sobretudo, o mais corriqueiro seria recorrer ao tradicional núcleo de estudos ou, pior, a laboratório. Num laboratório entende-se (acertadamente) que haja manipulação. Intervenção naquilo que é estudado e manipulação. Um observatório não quer intervir e menos ainda manipular a cultura. Não, em todo caso, no sentido que a palavra manipulação tem em química ou em física. Um observatório observa. A distância. A alguma distância.


Se um observatório é um instrumento privilegiado para uma ação que não pode ou não deve realizar-se (o planejamento), para que serve? Na chamada sociedade da informação, essa pergunta não tem cabimento, uma vez que o primeiro produto do observatório é a informação.

Queremos informação e precisamos de informação para tudo. Para o conhecimento, por exemplo (e com isso já se estabelece uma distância entre informação e conhecimento, duas instâncias que não se confundem). Informação para quê? Para mudar. Para mudar comportamentos. Assim como a televisão é uma máquina de mudança do comportamento, muito antes e muito além de ser uma máquina que leva informação ou entretenimento, também um observatório existe, no fundo, para mudar comportamentos. Como a informação, que é a mensagem que altera um comportamento. Uma mudança não necessariamente na cultura, mas, em todo caso, no sistema da cultura, no contexto da cultura. A diferença entre uma coisa e outra não é tão sutil quanto parece. Uma ação cultural é, primeiro, uma mudança no sistema da cultura na medida em que cria as condições para que as pessoas inventem seus próprios fins na cultura. A ação cultural não cria fins culturais, novos ou velhos, não intervém na cultura: intervém nas condições que geram cultura. Intervenções na cultura são inúmeras na história do século XX: estiveram (e estão) presentes em todos os sistemas ditatoriais de todos os matizes ideológicos à direita e à esquerda, inclusive no Brasil em diversos momentos e em particular à época do Estado Novo, quando muitos intelectuais até então de respeito (e que continuaram a ser respeitados como se essa mancha em seus currículos fosse invisível) não hesitaram em intervir na cultura. A ação cultural não faz isso: atua no contexto e apenas num primeiro momento: não prevê e não intervém nas estações intermediárias do processo, nem prevê e produz o resultado final (que pode nem vir a existir: ela não visa a um objetivo final, não tem qualquer
compromisso com qualquer produto final).

A emulação é a conseqüência mais sensível da existência de um observatório. A produção da informação sobre a cultura e sua posterior divulgação gera emulação: desejo de imitar ou suplantar algo ou alguém. Os observatórios de cultura não surgiram para isso – mas logo perceberam que um bom uso para seus produtos era isso. Talvez devessem ter sabido desde o início que esse seria o resultado, uma vez
que a política cultural ou é comparada ou não existe – e se comparo, não pode ser
senão para mudar, imitando ou suplantando. Nesse aspecto, um observatório de política
cultural e a idéia de política cultural surgem ou deveriam surgir juntos e alimentam-se mutuamente.


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