terça-feira, março 24, 2015

Ronaldo Lemos fala sobre o "Avesso das Cidades Criativas"



Por Alê Barreto
alebarreto@gmail.com


Na coluna de hoje, escrita para a Folha de São Paulo, Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio e do Creative Commons no Brasil, fala sobre aspectos pouco discutidos sobre o conceito de cidades criativas e sobre como o Brasil.

Eu particularmente acompanho sempre que possível os textos do Ronaldo Lemos. Conheci ele quando eu era um dos colaboradores do portal colaborativo Overmundo. Atualmente ele é um dos apresentadores do programa Navegador na Globo News (recomendo também).

Transcrevo aqui seu texto na íntegra.


"Avesso das Cidades Criativas"




Autor: Ronaldo Lemos

Publicado originalmente em 24/03/2015 pela Folha de São Paulo
Texto publicado apenas para fins educativos



Nos últimos anos ganhou força no terreno do urbanismo a ideia da cidade criativa. Ela parte da premissa de que é possível para grandes cidades globais viverem a partir de profissões criativas: design, programação, audiovisual, arquitetura e assim por diante. É um conceito quase utópico de que grandes aglomerados urbanos poderiam tirar seu sustento diretamente do espírito criativo dos seus habitantes.

Um dos expoentes mais conhecidos dessa ideia é o urbanista americano Richard Florida. Ele chegou a criar um "índice boêmio", para as cidades. Na sua visão, quanto mais boêmia a cidade, mais ela atrai pessoas criativas e, com isso, assegura um ciclo virtuoso de expansão econômica. Na mesma linha, Florida criou também o "índice gay", que correlaciona ambiente urbano aberto e diverso ao crescimento ecônomico. Londres, Nova York, San Francisco seriam exemplos. Por sua abertura, tolerância e diversidade, esses locais atuam como imãs par a classe criativa global.

Essas ideias são importantes e servem como bússola para se pensar a vida na cidade em qualquer lugar do mundo. No entanto, há aspectos menos discutidos.

Um dos elementos para a existência de cidades criativas é a separação entre os centros de comando, design e controle dos lugares onde acontece efetivamente a manufatura. Em outras palavras, as cidades criativas são o lado da moeda onde fica a parte inventiva da divisão do trabalho. Mas para isso acontecer, em algum outro lugar alguém precisa colocar a mão na massa.

Tome-se os produtos da Apple. Na embalagem consta que são "designed by Apple in California" (desenhados pela Apple na Califórnia). Logo a seguir há uma curiosa frase: "assembled in China" (montado na China). Note-se que não se usa o famoso "made in China". E nem se diz quem é o responsável pela montagem. Em geral, de cada US$ 100 de um produto da Apple, US$70 ficam nos EUA pelo design (remunerando as "cidades criativas"), 29% vão para os fabricantes de componentes espalhados pelo mundo e 1% ficam com as montadoras chinesas.

Em síntese, para cada "criativo" na Califórnia, há em algum lugar do mundo uma planta industrial otimizada para operar com o menor custo possível, transformando ideias em produtor industrial de larga escala. Goste-se ou não, esse desacoplamento entre criação e produção impulsionou grandes inovações dos últimos anos. Por meio desse arranjo, a Apple tornou-se a empresa mais valiosa do planeta hoje.

O Brasil tomou caminho diferente. Não embarcamos na possibilidade de aproveitar as plantas industriais chinesas para impulsionar indústrias criativas locais. E agora talvez seja tarde demais. Não só a China está se tornando cada vez mais criativa: os EUA querem trazer de volta a manufatura. Isso está mudando de novo a cara da indústria global. A pergunta que fica é: o que o Brasil vai fazer diante disso?



************************************

* Alê Barreto (ou Alexandre Barreto) é administrador de empresas, gestor cultural, gestor de pessoas, gerente de projetos, empresário artístico, produtor executivo, consultor, criador de conteúdo, blogueiro, professor e palestrante. Concluiu sua formação em gestão pública em cultura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e o MBA em Gestão Cultural na Universidade Cândido Mendes (RJ). Está finalizando sua monografia sobre carreira artística com a orientação da consultora Eliane Costa.

Alê Barreto gosta de desafios. Isso faz com que esteja aberto a convites, à novas oportunidades e a trabalhar em diferentes lugares.

Atualmente reside no Rio de Janeiro, é um dos gestores do Grupo Nós do Morro na comunidade do Vidigal e responsável pela implantação da área de Produção Cultural na Escola de Música da Rocinha.

+55 21 97627 0690 alebarreto@gmail.com

Nenhum comentário: